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O que o movimento “Stop Hate For Profit” nos ensina?

Atualmente nós vivemos a época do engajamento social, um momento de valorização do voluntariado e exposição de causas e opiniões nas redes sociais. Na internet, diariamente nos deparamos com questões sociais como o empoderamento feminino, causas LGBTQI+ e movimentos antirracistas. Nesse contexto, ignorar essas questões que são extremamente importantes para consumidores é uma falha grave cometida por diversas marcas.

Os consumidores mais do nunca estão criteriosos ao escolherem seus produtos e suas marcas preferidas e hoje, para que uma empresa seja reconhecida é necessário oferecer mais do que apenas produtos, é preciso ter valores condizentes com os dos consumidores para ter valor no mercado.

Por isso, atualmente as marcas precisam se adaptar a esse cenário, buscando novas formas de conquistar a lealdade de consumidores que querem saber o que a empresa pode oferecer para a sociedade além dos produtos e qual é o seu posicionamento frente questões sociais importantes.

Com essa transformação na forma de consumir por parte do público e as redes sociais servindo como combustível para a comunicação e monitoramento da ação de marcas, a falta de posicionamento e omissão se torna cada vez mais prejudicial frente a uma geração que exige um comportamento coerente.

Fingir ser bom já não é mais suficiente, é preciso tomar ações que atestem o comprometimento em promover a mudança e apoiar causas sociais. Não basta mais parecer, é preciso ser.

E foi justamente nesse contexto, comprovando todas as informações que apresentamos até agora, que surgiu o “Stop Hate For Profit”, ou, em tradução literal “pare de dar lucro ao ódio”, um movimento iniciado em junho de 2020 por associações americanas de direitos civis que pede ao Facebook que tome medidas e se posicione contra as mensagens de ódio em sua plataforma.
Nesse momento você deve estar se perguntando “mensagens de ódio? Onde tudo isso começou?” Calma, vamos te contar tudo, desde o início.

MOVIMENTO BLACK LIVES MATTER (BLM): ONDE TUDO COMEÇOU

Em 25 de maio de 2020 um funcionário da Cup Foods, uma loja de conveniência de Minneapolis, entrou em contato com o serviço de emergência dos Estados Unidos afirmando que um homem havia utilizado uma nota falsa de 20 dólares para comprar um maço de cigarros.

Ao chegar no local os policiais abordaram o então suposto autor do crime, o ex-segurança afro-americano de 46 anos George Floyd, que estava em um carro estacionado próximo à loja. O relatório sobre o caso afirma que durante a abordagem um confronto físico começou quando Floyd resistiu à prisão e que, após alguns minutos e tentativas dos policiais de colocá-lo na viatura, Floyd caiu no chão com o rosto para baixo, ainda algemado. Nesse momento diversas testemunhas levantaram seus celulares e começam a fazer vídeos da ação.

Um dos policiais que atendeu ao chamado neste dia, Derek Chauvin, colocou o joelho sobre o pescoço de George Floyd, que continuava algemado e imobilizado no chão. Floyd então diz repetidamente “não consigo respirar” e implora inúmeras vezes para que o policial saia de cima dele. Após 6 minutos Floyd perde seus sentidos e, ainda assim, Chauvin manteve seu joelho no pescoço do homem por mais 2 minutos e 46 segundos. Quando Derek Chauvin finalmente tira o joelho do pescoço de Floyd, ele não se move.

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Imagem: Erik McGregor/LightRocket via Getty Images

Neste dia, quase uma hora depois da abordagem policial, George Floyd foi declarado morto, e os vídeos feitos por diversas testemunhas foram amplamente divulgados nas redes sociais, dando origem a protestos em todo mundo a favor do movimento ativista antirracista Black Lives Matter (BLM), que luta contra a desigualdade racial e pela reforma da polícia e legislação.

Com a pandemia mundial de COVID-19, as redes sociais se tornaram as únicas alternativas seguras para protestar sobre o assunto e, nos meses que se seguiram, o ativismo digital contra o racismo ganhou grande força na internet.

Contudo, mensagens de ódio e de cunho racista cresceram na mesma medida, e foi nesse contexto que surgiu o “Stop Hate For Profit”, um movimento de boicote ao Facebook que tem como objetivo fazer com que os anunciantes removam suas propagandas das redes sociais de Mark Zuckerberg como uma forma de protesto contra as publicações e discursos de ódio que são encontradas nas plataformas do programador e empresário norte-americano.

De acordo com a página do movimento, “com chamadas em todo o mundo exigindo justiça para os negros na América, o fracasso do Facebook em proteger e apoiar seus milhões de usuários negros persiste, perpetuando o profundo impacto do racismo sistêmico e institucional. […] a falha do Facebook em atualizar suas políticas e processos permitem que o ódio, as teorias da conspiração e a proliferação de conteúdo racista e anti-semita em sua plataforma continue a ser uma fonte de dor para comunidades inteiras”.

Com o apoio de celebridades com milhares de seguidores nas redes sociais como Kim Kardashian, Leonardo DiCaprio e Kerry Washington e de marcas gigantes como Adidas, Coca-Cola, Ford, Honda, Microsoft, Unilever e diversas outras, o movimento incentivou que as empresas retirassem todo o dinheiro aplicado no Facebook durante o mês de julho e, após o anúncio de adesão de grandes empresas como as citadas, as ações do Facebook caíram 8,3%, causando uma perda de US$ 56 bilhões (R$ 307,8 bilhões) em valor de mercado.

AS QUESTÕES SOCIAIS E O MARKETING DE CAUSA

Nesse momento surge a pergunta, “mas como tudo isso se conecta?”

O mundo atualmente se move por percepções – já dizia Platão, em sua teoria do Mundo dos Sentidos -, por isso não basta que uma empresa pareça consciente das causas sociais. Ela precisa mostrar, através de suas ações, que ela é realmente consciente das causas sociais.

O sucesso de marcas está, cada vez mais, deixando de ser determinado por seus produtos e está cada vez mais próximo de como os consumidores percebem seus valores e princípios, incluindo seu engajamento com causas importantes.

O boicote feito não foi contra a entidade Facebook, mas sim contra o ódio disseminado na plataforma. As marcas que aderiram ao movimento não estão punindo a rede social, mas sim se posicionando contra a propagação de discursos que ferem comunidades inteiras e preterindo o lucro em favor da coerência entre seus discursos e ações.

O sucesso de marcas está, cada vez mais, deixando de ser determinado por seus produtos e está cada vez mais próximo de como os consumidores percebem seus valores e princípios, incluindo seu engajamento com causas importantes.

E, se por um lado a rede social deve ser parabenizada por dar voz às pessoas, ela também precisa assumir a responsabilidade e não tolerar que essa voz seja utilizada para propagar qualquer tipo de discriminação, e pior ainda, ganhar dinheiro com a distribuição de propagandas que incitam o ódio.

Enquanto o Facebook não se posicionou frente as exigências feitas pela comunidade, outras marcas tomaram a frente e assumiram uma postura não conivente com o crescente discurso de ódio presente na plataforma, e nesse caso nós já sabemos quem teve o maior prejuízo, considerando que em poucos dias de campanha o Facebook viu grande parte de sua receita ser comprometida.

COMO TODAS ESSAS QUESTÕES DEVEM AFETAR MARCAS E POSICIONAMENTOS DE EMPRESAS?

Uma pesquisa feita pela consultoria Edelman Earned Brand divulgada em novembro de 2017 constatou que 56% dos brasileiros afirmam consumir ou boicotar marcas de acordo com o posicionamento delas diante de questões sociais relevantes, que 60% dos consumidores entre 23 e 37 anos afirmam que o posicionamento das marcas frente questões sociais afetam suas escolhas e que 6 em cada 10 brasileiros acreditam que as marcas podem fazer mais pelo país do que seus governantes. (!)

Nesse cenário, fechar ou não olhos para questões sociais pode ser a decisão que levará uma empresa ao fracasso ou sucesso. Já se foi o tempo em que um bom preço e atendimento era o suficiente para manter clientes fiéis a marcas.

Hoje, o que os consumidores querem são empresas e marcas mais humanizadas, que gerem impacto positivo na sociedade e com as quais eles possam desenvolver um vínculo que vá além do que apenas uma transação comercial, por isso, é imprescindível que as marcas estejam atentas para o contexto no qual elas se inserem e as causas sociais que estão movendo o mundo.

Cada vez mais as pessoas pautam suas decisões de consumir ou boicotar marcas conforme o comprometimento que essas têm com questões sociais e, com o crescente uso das redes sociais e a disseminação de informações cada vez mais rapidamente entre os usuários, esse é um movimento que só tende a se intensificar, afinal, a confiança e a crença de que marcas podem fazer a diferença na nossa sociedade é um dos principais fatores que motivam os consumidores da nova geração – também conhecida como geração Z – que fazem parte de um grupo cada vez mais preocupado com causas socias e o meio ambiente.

E se essa curta sequência de eventos, uma tragédia, um movimento social e a omissão da rede social com a causa que, em poucos dias, levou à perda de bilhões de dólares, não prova incontestavelmente a importância de marcas se envolverem e se posicionarem diante questões sociais relevantes, eu não sei o que prova.